segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

salta


Deixa os pés fincados na soleira da porta. Deixa ficar. Deixa estar. As cores transbordam. Os sons transbordam. O mundo transborda em arcos e linhas. Cheia das analogias de palavras mal usadas. Cheia. Do mundo. Das dispersões. Sonhou com um abraço outra noite. Ou estava acordada? Enquanto imaginava. O que imaginava? 

Duas pessoas de mãos dadas. Andando. 

|Duas vozes|

|Dois corpos|

|Duas cartas|

As que guardou. Na lembrança de dias nublados. Cheios de tons, cheios de cinza. O corpo frágil sente o toque... Sente aquela brisa de lembranças. De notas e sons. De pássaros que recolhem as primeiras horas da manhã. De folhas verdes que caem. De um azul que o céu concentra. De um brilho de estrelas mortas. De uma esperança de eternidades.

|Amor|

|Amor|

|Amor|

Desses que lhe prendem o corpo no alto. Daí se permite saltar. Com o vento no rosto. Com o suor nas mãos. Com o medo normal. Com o risco. Aquele que alimenta a vida calma. Aquele que condensa as angustias, as reações, as cores, os sons, os corpos, as cartas...

O que vale. O que te faz olhar nesses olhos escuros estranhos. Se deixa afundar. Se deixa voltar. Se deixa olhar, reconhece o espelho. Reconhece. Entre abraços talvez. Entre sonhos com certeza. Entre esperanças que afugentam o medo maior. O de se deixar ir. O de se encontrar. O de amar. E se entregar.

A entrega dolorosa. Sem medo. Sem cuidado. Sem limite. Sem esperança...

Deixa ficar. Deixa estar.


|Salta|

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

escritor

A palavra escritor sempre me pareceu um tanto quanto distante, talvez porque ler e entrar em todos aqueles livros me fascinava tanto, que começar a escrever parecia de alguma forma uma ousadia da minha parte. Daquelas ousadias que alimentam a alma e quase o corpo. Sugam as emoções que transbordam em uma imaginação ainda em construção. Talvez nunca consiga dizer eu sou uma... Esse romance que envolve a palavra me deixa meio a mercê desse lugar privilegiado para onde são conduzidas algumas pessoas. Tenho medo, talvez. Medo de parecer clichê demais, de entregar demais dessa sensação que não sei de onde surgiu. Dom? Vocação? Desejo? Não sei onde se enquadra esse oficio. Esse que dá prazer e ao mesmo suga um pouco da alma, parece que quando escrevo, quando os dedos correm rápido, um pedaço de mim se entrega sem consulta, sem receio, sem cuidado. 

É como se me jogasse de um lugar alto sem saber por onde ir. Podendo voar, livre das pessoas, das convenções, do que qualquer um possa pensar e falar. É como estar vivendo tantas histórias, cada uma delas ocupando um pedacinho dessa mente estranha, isolada. Todas as coisas não ditas foram colocadas ali. Naquelas páginas que traduzem cada uma das sensações mais difíceis de aceitar e expor.  
Não se separa um livro, conto, crônica, poesia de seu escritor. É uma percepção ampliada, um conto imaginado como se você produzisse todos os personagens pra si. Você se vê neles, sente como eles. Sofre, ama, chora, ri. Todas as sensações se esboçam no seu rosto enquanto escreve. Pelo menos comigo acontece isso. 

Como se os pensamentos pulassem direto para o papel e você se encontrasse ali. Quase como se observasse à distância uma vida acontecer, aquela que poderia ser sua, aquela que te emociona, que te faz sentir medo. Todas as suas emoções são as suas personagens. Aquela que salta da janela acreditando ter asas, aquela que anda na areia da praia tão lentamente que a poderia até contar os grãos de areia em que toca. As Alices, Anitas, Lunas... São todas você. 

Com o desejo de liberdade enquadrado no quadro da sala, a menina decide sonhar mais alto. Talvez tenha passado tempo demais para inflar o coração de coração e mergulhar no sonho. Quem lhe contou? Quem lhe abriu os olhos? Um daqueles livros que lhe chega às mãos sem esperar. Um daqueles livros que sempre parecem falar dela. Ela que ficou trancando essas histórias em cadernos e páginas confidenciais, ela que nunca conseguiu usar a palavra escritora. Ela que metaforicamente tenta pular da janela mais alta. Indo em direção aquela liberdade que só escrever consegue lhe trazer. Talvez a escrita não precise dela. Mas ela não consegue esquecer que precisa respirar.  

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

sinceridades

Tudo o que penso em dizer é: Ai, como Caio F. tinha razão. Fico talvez voluntariamente procurando essas abstrações comuns, essas reações adversas com o mundo, com as pessoas, pra tentar sentir alguém mais próximo de mim. Talvez não seja fácil sustentar esse emaranhado de relações com a sinceridade de cartas trocadas, talvez não seja fácil expor o corpo, a alma, as limitações, os medos... Jogá-los na arena sem mudar o tom, sem baixar ou altear a cabeça. Será que se pode equilibrar tudo? Ou devo precisar baixar a cabeça ou me inflar de um ego que nem sem sei de onde vem?

Faz bem pro ego claro, descansa um sorriso no canto da boca ouvindo determinados elogios. A certa altura já nem importa se são sinceros ou não. Essa necessidade e sorrisinho leve deixado ao descanso do vento afugentam a razão, quando se dá conta se deixou cair aos pés de quem usou as melhores palavras, ou o som poético, ou o orgulho de braços dados. Importa? A sensação rejeita os fatos.

Se pergunta as vezes se realmente importa o que sente ou o que parece sentir? Sai gritando aos quatro ventos e ares e mares que o corpo e  a alma estão saudáveis, que a vida recomeçou que encontrou outros benditos “amores”, “amigos”, “lugares”, “idéias”... Ao mesmo tempo uma voz baixa dentro de si fica repetindo o tempo todo: ah se o tempo voltasse, como o passado era bom, as pessoas podem voltar atrás... Vai alimentando (e mentindo) assim.

Deixa esses sentimentos onde devem ficar, guardados em uma gaveta de casa, quase uma caixa de pandora, quando se abre uma brecha das lembranças as tragédias dessa cabeça volúvel (por vezes) vão tomando seus assentos/lugares. Quem vê de fora talvez não se dê conta da fragilidade absurda que ocupa essas palavras fortes, secas, diretas. Tira o filtro e sai magoando e invadindo por todos os lados a vida de outras pessoas. Quando se aprende a guardar na memória, entre as paredes e folhas e páginas, essas involuntárias reações e gestos e frases?

Talvez realmente o lugar e os dias não façam sentido, se talvez acreditasse nessas coisas mais espirituais, devesse tentar ficar pulando de uma a outra vida, até encontrar o lugar, tempo e pessoas certas. Sem acreditar, o máximo que posso fazer é ir ocupando os lugares possíveis, sair pelo mundo a procura de alguém com quem conversar, cheia dessa vontade de assumir cada sentimento transbordando, procurando um igual, alguém que tenha essas contradições, essas sensações a flor da pele, de um extremo à outro indo do ódio ao amor (os mais legítimos e verdadeiros parceiros). 

Não sei. No fim da página só resta isso. Não sei. Posso? Devo? Tentando entender esses sentimentos imaturos e impossíveis. Guarda isso pra si, é o melhor que faz. Prende a língua, guarda a necessidade de expressão, e fica aqui parada, passiva. Prendendo as possibilidades em uma ampulheta enquanto espera o tempo esgotar. No fim do dia fica a consciência pesada, de sentir coisas sem falar. De odiar calada às situações impostas. De ficar tentando a leveza guardando pedras nos bolsos. A sinceridade alimenta será? Até que ponto?